Áporo
Sentei me a varanda e acomodei minha anatomia cansada àquela cadeira marcada pelo tempo. O sol brilhara maravilhosamente, porém indiferente. Como se estivesse me esperando. Os ruídos de um ambiente inusitado cobriam os gemidos de minha alma. Delicadamente peguei meu ultimo cigarro, surpreendi me com apenas um fósforo na caixa. Acendi-o. A medida que tragava aquela fumaça mórbida o dia se esvaía lentamente. A cada tragada um suspiro de vida que se dispersava no tempo. Olhei triste para trás, não vi muita coisa, aliás, vi muitas coisas, mas todas tão pequenas que nenhuma delas merecia que eu as tivesse visto naquele instante. As crianças brincavam na rua, os cachorros latiam. Todos torpemente normais. A indelicadeza com que viviam condenavam minha loucura, a felicidade de suas misérias acusavam minhas luxúrias e a mediocridade permeava meus sentimentos com uma satisfação de guerra ganha. A felicidade com que um soldado recebe a noticia de que a guerra acabou e que voltará pra casa. A tranqüilidade que o invade impedem-no de perceber as milhares de vida destruídas e mais, não consideram a possibilidade de suas famílias estarem entre essas baixas desprezadas.
Olhei para o lado, não havia ninguém. Olhei para o outro lado, vazio... Quando estava para olhar para trás, desisti. Não havia ninguém em lado algum. Os olhos enchiam se de lágrimas que escorriam pelo meu rosto corroendo minhas memórias. Quando pingavam em meu peito deslizavam sobre as cicatrizes das batalhas. Mais uma tragada profunda. Senti o amargo em minha boca, tossi, iria tossir mais, mas desisti, era inútil. Não havia ninguém em lado algum.
Escutei o carteiro entregando cartas à minha caixa de correspondências. Ameacei um sorriso de canto de boca, tímido, irônico, contrariado... Refleti sobre a existência, reconheci ter querido muito mais, reconheci ter tido os sonhos que tive, as paixões afligiram me as recordações desnecessárias. Tive vontade de voltar, repentino desejo de desistir da desistência, mas desisti de desistir, era inútil. Não havia ninguém em lado algum.
O sol já havia pela metade, tocado seu poente. O horizonte o engolia a medida que o tempo me sugava. Cinzas do cigarro caíram sobre meus pés. Tive uma breve sensação de que deveria limpar os sapatos para que me dignassem. Mas desisti, não havia porque dignar-me. A dignidade se escondera de mim e agora ela estava a minha espera. Uma brisa suave revoou sobre a varanda. Balançou a gaiola vazia, derrubou um pote vazio e bagunçou o que restara de meus cabelos. Eu estava para arrumá-los, quando desisti. Dei esse mérito à brisa, ela merecia. Havia me visitado. Arrisquei previsões inúteis sobre a possibilidade de chuva, pensava comigo mesmo se choveria hoje ou amanhã, pois o tempo estava se fechando... Pensamentos completamente descartáveis. Filosofei o momento com meu silêncio. Talvez essa tenha sido a melhor de minha contribuição para a existência.
A solidão que me rodeara agora estava me penetrando. Cenas rápidas de minha vida passaram frente meus olhos, me dando cada vez mais prazer naquela sensação sufocante da libertação pelo fim...
Mais uma vez uma brisa surgiu, balançou a gaiola vazia, rolou um pote vazio e penetrou rapidamente naquela casa, agora, esvaziada de vida...
03/03/2008
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