15 de jan. de 2009

Áporo

Estive pensando várias maneiras de estreiar esse meu canto esquecido na internet.... Pensei que gostaria de fazê-lo com um belo texto, algo engraçado, depois pensei em algo inteligente, algo curioso... enfim...
Decidi por não decidir. Segue abaixo um de meus contos. Não é o melhor. Mas é o meu preferido. Espero que gostem.


Áporo



Sentei me a varanda e acomodei minha anatomia cansada àquela cadeira marcada pelo tempo. O sol brilhara maravilhosamente, porém indiferente. Como se estivesse me esperando. Os ruídos de um ambiente inusitado cobriam os gemidos de minha alma. Delicadamente peguei meu ultimo cigarro, surpreendi me com apenas um fósforo na caixa. Acendi-o. A medida que tragava aquela fumaça mórbida o dia se esvaía lentamente. A cada tragada um suspiro de vida que se dispersava no tempo. Olhei triste para trás, não vi muita coisa, aliás, vi muitas coisas, mas todas tão pequenas que nenhuma delas merecia que eu as tivesse visto naquele instante. As crianças brincavam na rua, os cachorros latiam. Todos torpemente normais. A indelicadeza com que viviam condenavam minha loucura, a felicidade de suas misérias acusavam minhas luxúrias e a mediocridade permeava meus sentimentos com uma satisfação de guerra ganha. A felicidade com que um soldado recebe a noticia de que a guerra acabou e que voltará pra casa. A tranqüilidade que o invade impedem-no de perceber as milhares de vida destruídas e mais, não consideram a possibilidade de suas famílias estarem entre essas baixas desprezadas.




Olhei para o lado, não havia ninguém. Olhei para o outro lado, vazio... Quando estava para olhar para trás, desisti. Não havia ninguém em lado algum. Os olhos enchiam se de lágrimas que escorriam pelo meu rosto corroendo minhas memórias. Quando pingavam em meu peito deslizavam sobre as cicatrizes das batalhas. Mais uma tragada profunda. Senti o amargo em minha boca, tossi, iria tossir mais, mas desisti, era inútil. Não havia ninguém em lado algum.


Escutei o carteiro entregando cartas à minha caixa de correspondências. Ameacei um sorriso de canto de boca, tímido, irônico, contrariado... Refleti sobre a existência, reconheci ter querido muito mais, reconheci ter tido os sonhos que tive, as paixões afligiram me as recordações desnecessárias. Tive vontade de voltar, repentino desejo de desistir da desistência, mas desisti de desistir, era inútil. Não havia ninguém em lado algum.

O sol já havia pela metade, tocado seu poente. O horizonte o engolia a medida que o tempo me sugava. Cinzas do cigarro caíram sobre meus pés. Tive uma breve sensação de que deveria limpar os sapatos para que me dignassem. Mas desisti, não havia porque dignar-me. A dignidade se escondera de mim e agora ela estava a minha espera. Uma brisa suave revoou sobre a varanda. Balançou a gaiola vazia, derrubou um pote vazio e bagunçou o que restara de meus cabelos. Eu estava para arrumá-los, quando desisti. Dei esse mérito à brisa, ela merecia. Havia me visitado. Arrisquei previsões inúteis sobre a possibilidade de chuva, pensava comigo mesmo se choveria hoje ou amanhã, pois o tempo estava se fechando... Pensamentos completamente descartáveis. Filosofei o momento com meu silêncio. Talvez essa tenha sido a melhor de minha contribuição para a existência.


O cigarro estava acabando... o calor já aproximava se de meus dedos. O espaço entre seu fim e o meu estavam próximos, mas ele havia me servido, para quê eu não sei... não quis jogá-lo, deixei o pendurado em meus dedos... olhei por uma ultima vez para o por do sol, ele estava quase que completamente enterrado no horizonte. Olhei mais uma vez para os lados num lapso de esperança. Não havia ninguém em lado algum. Trêmulo, inseguro, quase que involuntário peguei o copo que havia preparado ao meu lado. Olhei para aquele líquido redentor. E logo em seguida, senti-o decendo pela minha garganta e entrando em minha alma, queimando tudo que fosse vivo...

O copo caiu... Seus cacos refletiam o céu ficando nublado. As mechas laranjadas do por do sol se fundiam se com o cinza daqueles instantes, formando um só tom ao qual não temos um nome ainda.



As cores começaram a se misturar, repentinamente tudo estava escurecendo. Uma dor insuportável acometeu-se ao meu estômago, mas eu não a sentira, apenas sabia que estava lá... Senti que o ar não entrava mais, minhas veias e artérias estava a estourar de desespero pela vida. Meu coração se acelerava ou se desritmava. Mas isso não era de todo mal, não havia ninguém dentro dele.
A solidão que me rodeara agora estava me penetrando. Cenas rápidas de minha vida passaram frente meus olhos, me dando cada vez mais prazer naquela sensação sufocante da libertação pelo fim...

Tendo o sol se posto, uma gota de precipitação caiu sobre o cigarro caído ao lado dos cacos de vidro, que já não refletiam mais nada, pois não havia ninguém em lado algum para observá-los. As crianças pararam as brincadeiras, os cachorros entraram em suas casas, o silencio brotou naquela rua, pois a chuva estava chegando...



Mais uma vez uma brisa surgiu, balançou a gaiola vazia, rolou um pote vazio e penetrou rapidamente naquela casa, agora, esvaziada de vida...



03/03/2008





Nenhum comentário:

Postar um comentário